quinta-feira, 30 de outubro de 2014




ESCOLHIDOS POR MIM

Mãe, eu te escolhi para ser minha mãe aqui na terra.
Pai, eu te escolhi entre todos os homens para ser o meu pai terreno.
Está ficando tão distante no tempo o dia da escolha.
Era dia? Era noite? Não importa.
Importa sim é que tomei a decisão.
Vocês seriam os meus pais.
E vim tão frágil.
Para tocar seus corações?
Não apenas por isso.
Bem mais tarde conheceríamos as razões.
Meus pais diziam que sempre fui delicada, desde a mais tenra idade.
E diferente.
Eu sempre gostei de poesias, versos, de falar de amor, de dor, de alegria.
É bem assim, vivi uma vida de poesia.
Lembro bem que papai comentava com a mama que eu tinha uma personalidade suave.
Nós costumávamos ter conversas muito interessantes e, através destas conversas, fui conhecendo mais de mim.
No tempo que meu pai ainda estava conosco, neste plano, eu não compreendia muitas coisas que somente passei a compreender anos mais tarde.
Uma pena. Mas nada que se possa fazer a respeito. Talvez a minha missão em relação a ele fosse lhe mostrar alguns caminhos que eu acreditava serem os melhores e também ter esta convivência com uma filha terna e frágil.
Apesar de que, embaixo de toda minha aparente fragilidade, se esconde uma fortaleza e eles tiveram oportunidade de usufruir disso.
Em tantos momentos os socorri.
Eu penso realmente que os escolhi e não desejei um instante em meu viver que fossem outros os meus pais.
Minha mãe, apesar de já ter uma idade avançada, é uma mulher forte e corajosa. Uma verdadeira flor no jardim da minha vida.
Um exemplo de fé, coragem e bondade.
Sou muito feliz com a escolha que fiz e envio ao meu pai um beijo que deve atravessar a eternidade para lhe encontrar onde quer que ele esteja.

E quero lhe dizer mais uma vez: sempre os amei intensamente. Vocês sempre foram a referência em minha vida. Os símbolos do amor e de paz.

Mãe, sua casa ainda é, e sempre foi, o meu porto seguro.

sonia delsin 

sexta-feira, 30 de maio de 2014



UM BANDO FELIZ


Era domingo e senti uma vontade grande de sair um pouco da “toca”.
Cansamos de ficar tanto dentro de casa e nos últimos tempos tenho ficado bastante tempo enfurnada na sala de computador.
Muitos compromissos me obrigam a ficar muito tempo em contato direto com a máquina.
Bem, o dia estava bonito. Muito azul, um sol maravilhoso.
Eu disse ao meu marido que desejava ir a um lugar que já havíamos estado uma vez. Uma estrada de terra que corta umas fazendas maravilhosas.
Uma bela vista.
Paramos num determinado trecho do caminho para observar um vale que se descortinava magnificamente à nossa frente.
À sombra de uma gigantesca árvore ficamos observando a paisagem.
Meu marido notou que algo se mexia sobre uma árvore e logo vimos que se tratava de um macaco.
Ele pulava de galho em galho, de árvore em árvore. Mas ouvíamos um barulho grande.
Logo o macaco pulou numa árvore e ficou se alimentando de alguma coisa que não identificávamos daquela distância que estávamos.
Apareceu outro macaco numa árvore próxima e um pouco depois descobri que eram muitos.
Eles faziam uma festa enorme. Davam gritos e caminhavam sobre os galhos finos como se estivessem no solo.
Como me emocionou vê-los soltos na natureza! Livres, como acredito que devam ser os animais.
No zoológico nunca vi algo parecido.
Os gritos felizes deles me tocavam.
Pareciam bailarinos no topo das árvores.
Aquele bando feliz encheu o meu domingo de cor.

sonia delsin


UMA AVENTURA NO RIO APORÉ


Era dezembro e eu passava uns dias no Mato Grosso do Sul.
Andava tão estressada naqueles dias e levaram-me para lá para que eu pudesse descansar, arejar a cabeça.
Realmente foram uns dias singulares. Jamais me esquecerei tudo que vivi naquele povoado.
Numa manhã eu fui sozinha pescar num rio próximo ao local que estávamos hospedados.
Bem, eu estava na casa de amigos em São João do Aporé, o local fica situado bem próximo ao estado de Goiás. Atravessamos o rio (vou guardar para sempre na memória aquela ponte de madeira que atravessei tantas vezes naqueles dias que lá estive) e já estamos em Lagoa Santa/Go.
Peguei apenas duas varinhas, um viveiro para colocar os peixes, as iscas, uma garrafa de água, umas frutas, um boné (caso o sol ficasse muito quente). Não me esqueci de levar uma caixinha contendo linha, anzol, chumbada e um canivete que o Mauro me emprestou.
Chegando à beira do rio eu vi um tablado vazio (caso não saibam, um tablado é uma plataforma onde os pescadores costumam se acomodar para pescar). Eu me instalei lá e fiquei a observar tudo que me rodeava. A paz do lugar me encantava.
Vi araras e tucanos, também um sabiá ficou cantando sobre uma árvore bem próxima ao local que eu estava. Acompanhei aquela sinfonia do começo ao fim antes de me dedicar a colocar a isca no anzol. Parece que a ave viera especialmente para me saudar. Depois que ela se foi eu tratei de começar realmente a minha pescaria.
Peguei alguns peixes e me diverti muito como sempre. Eu simplesmente devolvia ao rio os pequenos para que crescessem mais e guardava no viveiro os maiores. Foram poucos naquele dia, só uns três.
Eu podia notar que formavam umas nuvens bem escuras a noroeste, mas não me importei muito. Fazia muito calor e não me incomodava o fato de me molhar.
Eu vi o céu escurecer. A água do rio se modificar.
Continue sentada no tabladinho, mas os peixes já não vinham comer as iscas.
O rio aumentava de volume e eu continuava ali.
Então a chuva caiu. Forte, poderosa mesmo.
Eu fiquei com o boné na cabeça para me proteger um pouco, mas de quase nada me servia. 
A chuva me lavava a alma. O calor era intenso e a água estava quase morna.
Vi descerem pelo canal do rio plantas das mais variadas.
Eu sabia que aquele rio acolhia as águas de uma vazante. Plantas aquáticas de uma lagoa maravilhosa que fica alguns quilômetros acima desciam dando cambalhotas.
Fiquei a olhar os troncos que desciam aos montes.
A água já quase alcançava a altura do tablado e mesmo assim eu continuei ali.
Já não mantinha a linha de pesca n’água, porque era simplesmente impossível se pegar alguma coisa com um volume tão grande de água e toda aquela agitação.
A água, que tinha uma cor clara quando eu lá me sentei, tornou-se puro barro.
Fiquei sentindo a chuva sobre mim e vendo a transformação do rio.
Era uma torrente.
Fiquei no barranco contente observando as mudanças que ocorrem na natureza.
Uma hora depois o rio continuava volumoso e galhos ainda desciam. Eu já estava com a roupa seca porque o sol havia voltado com força total.
Ajuntei minhas tralhas e peguei o caminho de volta para casa.
Ao chegar lá me perguntaram se eu não havia me assustado.
Sinceramente eu respondi que não. Que tudo faz parte. Que foi um espetáculo e tanto.

sonia delsin 


JOÃO E MARIA


Diante do portão eu paro e olho. Encanta-me uma frase numa placa na varandinha.
“Aqui mora o casal João e Maria”.
Olho os vasos de plantas sobre as muretinhas e fico ali parada um tempo. O tempo de meu pensamento alcançar uma estória.
Entro na sala e vejo que é minúscula. Um sofá de três lugares, um de dois. Uma estantezinha a um canto, uma tv bem antiga sobre ela e os bibelôs!
Há também alguns porta-retratos.
Um casal de noivos. Tão sérios posando para a fotografia.
O mesmo casal rodeado de uma penca de crianças.
Num porta-retrato bem vistoso um menino no dia da sua primeira comunhão.
Em outro uma moça parecida com o pai. Ah! Esta é do dia da formatura! Veste uma beca a bela jovem e sorri timidamente.
Vejo mais crianças bonitas e sorridentes em outras fotografias. Um bebê chupando o dedo...
Entro pelo corredor e encontro um quarto com móveis tão antigos. Uma cama de casal e cobrindo-a, uma colcha desbotada. Um guarda-roupa de três corpos com um espelho oval.
Na penteadeira uma porção de frascos.
As cortinas balançando estão bem rotas.
E há um crucifixo dependurado na cabeceira da cama.
Volto ao corredor e entro noutro quarto. Duas camas de solteiro. Um guarda-roupa pequeno. Parece-me que ali há muito tempo não dorme ninguém.
Nem examino a toalete.
Entro na cozinha que fica no fim do corredor. Ela é toda branca. Imaculadamente branca e eu gosto.
Sobre o fogão umas panelas de ferro. Posso sentir um cheiro de ensopado de carne.
A mesa está posta para duas pessoas. Os pratos são velhos, como são velhos os talheres e os copos.
A geladeira num canto é daquelas bem antigas e sobre ela um pinguim parece me olhar.
A porta dá para uma lavanderia onde muitas gaiolas estão dependuradas. Ouço o canto de canários.
Ao lado da lavanderia um pequeno quintal e uma jabuticabeira.
Olho e vejo um casal sentado num banco tosco sob a velha árvore.
Os dois estão conversando. Estão sentados bem próximos e tão entretidos neles mesmos que nem me notam.
Os olhinhos de Maria são azuis como duas contas. Os cabelos bem branquinhos. Ela descansa as mãos magras sobre o avental bordado.
João tem os olhos pretos, um grande bigode grisalho. Noto que ele é calvo e tem um sorriso doce.
Deixo-os conversando e saio de fininho. Do mesmo modo que entrei.
Eu os vi, posso jurar que sim...
E senti o cheiro do ensopado e ouvi os canários a cantar...

sonia delsin


UM DIA DESTES


Um domingo destes estive na casa de minha mãe. Ela optou por morar só depois da morte de meu pai. É muito afeiçoada à casa, ao lugar, ao seu maravilhoso jardim e nada a tira de lá por mais de uma semana, sem que sofra.
Sempre que podemos estamos visitando-a e quase sempre nos falamos por telefone.
Ela se queixa da solidão, mas diz não saber viver sem suas flores, suas amigas, seus irmãos que moram na mesma cidade.
Estávamos conversando numa tarde de domingo e minha tia chegou acompanhada de suas duas enteadas.
Minha mãe foi buscar uma caixa de retratos antigos e começamos a observá-los.
Há fotos muito antigas. Fotos de meus antepassados.
Umas estão tão amareladas que nem conseguimos bem distinguir rostos, braços e pernas. Outras estão em ótimo estado de conservação.
Fico encantada com as noivas dos retratos. Seus sorrisos tímidos. Me fascina ver os noivos de braços entrelaçados. Os vestidos tão bonitos...
Numa das fotografias está minha tia Rita e meu tio Luiz. Ela tem um ar de menina ainda e ele é um moço lindo. Lindíssimo mesmo.
O sapato em duas cores. Era a moda. O terno branco... um ar de galã. Sempre comentávamos da sua beleza e ele sorria quando dizíamos.
 Eu penso em como passou o tempo. Quantas pessoas guardadas naquela caixa já se foram. Quantas!
Seus sorrisos ficaram, suas caras espantadas. Gosto da espontaneidade na imagem que fica. É assim que podemos guardar as lembranças das pessoas que amamos.
Minha mãe comentou que guarda todas estas velharias e que depois que se for veremos o que faremos disso.
Mãe, a sua caixinha guarda a estória de nossa gente. É o nosso legado. Esta caixa não pode se acabar. Nem sabe como fez bem em ter guardado.

sonia delsin


AH, SE EU PUDESSE!

Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria aos meus dias de criança.
Voltaria ao tempo que usava trança e trazia nos olhos tanta esperança.
Se eu pudesse voltar atrás...
Ah, nos balanços me balançaria! Sob as frondosas árvores quantos balanços o papai fazia!
Deus, quanta alegria!
Se eu pudesse nadaria nos riachos de outrora.
E daria de comer aos porcos e às cabras.
Com Neno (meu porco de estimação) novamente brincaria.

Se pudéssemos voltar àquele tempo dourado!
Era um mundo encantado.
Às vezes penso que ele não está perdido. Está guardado, num cofre dourado.
Fecho os olhos e me transporto. Àqueles dias eu volto...

Sinto os cheiros, os gostos.
Ouço vozes.
Deus! Eu posso ouvir o moinho.
Os bambuzais se dobrando, envergando...

Para o passado estou olhando com olhos que não se cansam de admirar.
Tudo consegui guardar. 

sonia delsin


SONHO? REALIDADE?

Muitas vezes quando faço relaxamento alcanço o mundo das cores. Lá me sinto tão leve e flutuo.
Deslizo por tobogãs coloridos.
Quando temos a coragem de abandonar a “realidade”, de ousar voar para outros mundos nós nos deparamos com nossa essência.
E quando estou completamente relaxada penso que este mundo que chamamos “real” é um mundo de sombras.
Firmemente presos à matéria desconhecemos o quanto estas cores e luzes são intensas.
Dizemos que somos humanos.
Não somos humanos. Somos espíritos humanizados. E tomamos esta forma para vivenciar, para executar uma tarefa do espírito.
Nas vezes que viajo na bolha dourada alcanço um jardim e nele abundam flores nunca vistas na terra.
A Terra é apenas e tão somente um planeta, o planeta da expiação. Planeta que está se encaminhando para ser o planeta da regeneração.
Outras vezes viajo na bolha azul e chego a planetas que desconheço, mas que tenho a certeza de conhecer.
Viajando na bolha lilás eu encontro um mundo de paz.
Há religiões que dizem inferno e paraíso.
Eu desconheço tanto e, no entanto, sinto-me ao céu chegando á medida que vou divagando. E este chegar ao céu vem me confirmar que ele existe no meu interior quando vibro amor.

sonia delsin